Quando uma Norma Técnica é atualizada, ela deve ser aplicada retroativamente?
- Carlos Capuchinho
- 2 de jul. de 2024
- 3 min de leitura

Recentemente, me deparei com uma situação que levantou uma questão importante: as normas técnicas devem ser aplicadas de forma retroativa?
O caso em questão envolvia a renovação do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) de um edifício comercial, onde eu era responsável por verificar e atestar a conformidade dos equipamentos de combate a incêndio.
O imóvel atendia a todas as premissas previstas nas Instruções Técnicas, estando apto para a emissão dos atestados solicitados pelo Corpo de Bombeiros.
No entanto, ao solicitar ao responsável pelo uso do condomínio os atestados de conformidade das instalações elétricas e do Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas (SPDA), que haviam sido emitidos por outra empresa, encontrei uma discrepância. O laudo de SPDA trazia à seguinte conclusão:
Conclusão no Laudo de SPDA:
Considerando as características verificadas na vistoria e testes realizados, conforme a NBR 5419:2005, as instalações do SPDA foram projetadas e atendem as prerrogativas, estando aptas para seu uso.
Recomendação Técnica:
Houve uma atualização da norma, agora vigente na resolução NBR 5419:2015, que deve ser seguida em novas instalações e reformas nas existentes. A atualização visa aperfeiçoar e trazer mais segurança para o imóvel. Elaborar o gerenciamento de risco baseado na NBR 5419:2015, realizado em setembro de 2022, indicando a necessidade de adequações.
Resumidamente, o laudo atestava que o equipamento estava conforme a versão da norma de 2005, mas não com a atualizada, e vigente, de 2015.
A ABNT atualizou a norma NBR 5419 sobre proteção contra descargas atmosféricas em 2015, substituindo a versão de 2005. Cada atualização traz dúvidas sobre a aplicação retroativa. A nova versão da norma é mais detalhada, exclui antigas metodologias e propõe definições e parâmetros mais precisos.
Diferente da norma ABNT NBR 5410, que trata de instalações elétricas de baixa tensão e específica que se aplica a instalações novas e reformas, a NBR 5419 não possui uma cláusula explícita sobre sua aplicação retroativa.
O responsável pelo uso do condomínio resistiu à implementação das recomendações, alegando que o SPDA atendia aos requisitos da época de sua instalação e que os custos de adequação não estavam previstos.
É obrigatório atender as novas exigências de uma Norma que foi atualizada?
A Obrigatoriedade das Novas Normas
A aplicação retroativa de normas técnicas no Brasil é complexa e envolve diversas considerações legais e práticas.
As normas técnicas são estabelecidas por organizações como a ABNT. Uma entidade civil sem fins lucrativos, cujo quadro social é composto por pessoas físicas e jurídicas, de direito privado e não de poder público.
Assim, não possui autoridade para estabelecer obrigatoriedade de cumprimento de normas técnicas, que nascem de uso voluntário.
No entanto, a aplicação dessas normas não é automaticamente retroativa e depende de sua natureza, contexto e de decisões judiciais ou regulatórias específicas.
Segundo a Constituição Federal, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (Art. 5º, inciso II) e "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (Art. 5º, inciso XXXVI).
Portanto, a obrigatoriedade de cumprimento das normas técnicas depende de leis, como o Código de Defesa do Consumidor, que veda a oferta de produtos ou serviços em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos competentes, ou, na ausência dessas, pela ABNT.
Aplicação Retroativa em Casos Específicos
A aplicação retroativa é possível, mas deve ser criteriosa, voluntária e não impositiva, especialmente quando envolve segurança, saúde pública e meio ambiente.
Normas de segurança contra incêndio, por exemplo, podem ser aplicadas retroativamente para garantir a segurança dos ocupantes de um edifício.
Regulamentações municipais ou estaduais também podem exigir adaptações a novas normas técnicas em casos específicos, como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), que exige adaptações para acessibilidade.
Desafios e Responsabilidades dos Profissionais
Para os profissionais que trabalham com legalização de imóveis, como arquitetos e engenheiros, a possível aplicação retroativa de normas técnicas representa um desafio significativo.
Importante que nas inspeções e perícias nos imóveis se tenha o histórico da edificação, seu ano de construção, reformas efetuadas ao longo do tempo, projetos anteriores para melhor análise da situação e atestar corretamente a condição do local.
É preciso estar atento às mudanças nas normas e regulamentações e entender como essas elas podem impactar os imóveis existentes.
Mesmo não sendo compulsória a adequação de uma instalação às normas mais atuais, o proprietário ou usuário de instalações antigas deve providenciar inspeções periódicas.
Caso identificado algum fator de risco que poderia ser eliminado ou mitigado com o uso de normas mais recentes, por precaução, deverão ser adotadas as medidas cabíveis para que, em caso de acidente, não seja responsabilizado por negligência.
Trata-se aqui do risco de responsabilização por negligência, e não pelo fato da instalação existente não estar conforme a norma atualizada.
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