top of page
Buscar

Licenciamento autodeclaratório: impactos para arquitetos e engenheiros

  • Foto do escritor: Carlos Capuchinho
    Carlos Capuchinho
  • há 1 dia
  • 5 min de leitura
Câmara Municipal de São Paulo
Câmara Municipal de São Paulo

Foi aprovado ontem, na Câmara Municipal, em segunda votação, o projeto de lei que cria a emissão eletrônica declaratória para licenciamento de empreendimentos — seja para edificações novas, reformas ou obtenção de Certificado de Conclusão.


Em termos simples, trata-se de uma lei que promete acelerar drasticamente a emissão de documentos: o Alvará poderá ser emitido em até 30 dias, sem análise prévia da Prefeitura, com base apenas na declaração de que o projeto cumpre a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS) e o Código de Obras e Edificações. A novidade vale para imóveis de até 1.500 m².


Agora, o texto segue para o Executivo decidir pela sanção ou veto. Mas, considerando que o próprio Executivo — via SMUL — é o autor do projeto, a tendência é de aprovação integral.

Antes de entrar nos pontos centrais, vale uma curiosidade: o projeto chegou à Câmara em 24/11/2025, teve a primeira votação em 02/12/2025 e a segunda em 10/12/2025.


Uma tramitação muito rápida, especialmente para um tema tão sensível a quem lida diariamente com licenciamento. Algumas leis têm velocidade própria… mas isso é assunto para outro momento.

 

Olhando pelo lado positivo, qualquer iniciativa que reduza prazos e melhore a fluidez do licenciamento é bem-vinda.


Quem já ficou mais de um ano esperando um simples comunique-se sabe o quanto uma aprovação mais ágil pode mudar o dia a dia do trabalho.


Mas toda alegria pela desburocratização vem acompanhada de algumas preocupações — baseadas não em pessimismo, mas na experiência prática de lidar com outros modelos declaratórios. Afinal, sempre que o processo fica mais rápido, o peso da responsabilidade técnica aumenta.


E é nesse ponto que mora o risco do famoso “liberou geral”, terreno fértil para pressões indevidas e para a figura — antiga, mas muito atual — do “caneteiro”.


A seguir, alguns pontos importantes para reflexão:

 

1. A promessa da agilidade é boa… mas, sozinha, não resolve

O projeto permite que vários documentos sejam emitidos automaticamente, sem análise da Prefeitura, apoiados quase exclusivamente na declaração do responsável técnico.

A ideia é ótima no papel. Mas “automático” não significa “correto”.

A análise prévia desaparece, em muitos casos, substituída por auditoria por amostragem. Isso significa que:

  • O Estado renuncia ao controle inicial sobre o projeto;

  • A verificação da conformidade passa a ser posterior — e, muitas vezes, tardia;

  • Documentos podem ser emitidos mesmo quando a realidade do imóvel não corresponde ao que foi declarado.

E, como já vimos em outros processos autodeclaratórios, quando o filtro inicial some, cresce a impressão de que “agora tudo aprova”.


Spoiler: não aprova.


Hoje já vemos plantas padronizadas, declarações desconectadas da realidade e ausência de visita técnica em situações em que isso seria essencial. Com a ampliação do modelo, esses problemas tendem a se repetir — ou até se intensificar — se a fiscalização não acompanhar o ritmo da desburocratização.

 

  

2. A conta da agilidade cai, sobretudo, no colo de quem assina

O projeto deixa claro: a responsabilidade recai integralmente sobre o técnico e sobre o proprietário.

E não é uma responsabilidade leve. Estamos falando de:

  • multas expressivas;

  • suspensão imediata do documento emitido;

  • proibição temporária de protocolar novos processos (12 meses);

  • comunicação ao conselho profissional;

  • e, em alguns casos, risco criminal.


Ou seja: o projeto avança na rapidez, mas exige que o profissional assuma a responsabilidade que antes era compartilhada com o Estado.


E quem trabalha com isso sabe: nem sempre o cliente entende que “rápido” não é sinônimo de “dar um jeito”.

 


3. O perigo da sensação de “agora aprova tudo”

Quando um sistema passa a depender 100% da declaração do técnico, o mercado rapidamente cria uma impressão de que o processo ficou “mais fácil”.


Não ficou.


A legislação urbanística continua a mesma, nada foi flexibilizado: PDE, LPUOS e COE continuam valendo integralmente.


O que muda é que não há mais o filtro inicial da Prefeitura.


E isso abre portas para:

  • pressões para assinaturas sem a devida análise;

  • declarações feitas sem visita técnica;

  • interpretações arriscadas para ganhar tempo;

  • concorrência desleal entre quem trabalha direito e quem assume riscos.


Sem fiscalização consistente, o sistema que deveria dar eficiência pode acabar fortalecendo a cultura evasiva que justamente se pretende combater. O modelo declaratório tende a premiar quem age com temeridade e penalizar quem age com rigor técnico.

 

 

4. Os problemas dos modelos declaratórios existentes são um aviso

Algumas experiências que tive neste modelos

  • documentos emitidos para imóveis incompatíveis;

  • projetos replicados em diferentes terrenos;

  • usos declarados que não condizem com a realidade;

  • cadastros desatualizados aceitos sem contestação.


Esses episódios mostram que confiar apenas na tecnologia e na boa-fé não é suficiente.

É fundamental que o controle exista — mesmo que posterior — e que seja efetivo.


Sem fiscalização contínua, o sistema acaba premiando quem arrisca e punindo quem segue a técnica.


Não é pessimismo — é experiência prática mesmo.

 

 

5. A falta de fiscalização não protege a cidade — só empurra o problema para frente

Quando a verificação acontece somente depois da obra iniciada, muitos danos já se tornaram irreversíveis:

  • impactos ambientais;

  • conflitos com bens tombados;

  • ocupações irregulares;

  • avanços indevidos sobre o passeio;

  • e situações que podem exigir demolição parcial ou total.


A responsabilização posterior pode acontecer, mas não repara o estrago já feito.


E esse é um ponto crítico para quem se preocupa com a cidade a longo prazo.


 

6. Modernizar é essencial — mas responsabilidade deve ser compartilhada

Sou favorável à modernização. Quem lida com licenciamento sabe que muitos projetos ficam meses parados por detalhes menores. Mas acelerar processos não pode significar deixar o profissional sozinho num ambiente de alto risco.


Para que o sistema seja realmente eficiente, é necessário:

  • auditorias regulares e mais amplas (não apenas por amostragem), com indicadores públicos;

  • integração com bases oficiais para evitar declarações incompatíveis;

  • equipes técnicas independentes para inspeções periódicas;

  • regras claras sobre visita técnica obrigatória;

  • e investimento na capacitação dos profissionais e no aperfeiçoamento contínuo do sistema.


Um sistema autodeclaratório só funciona quando há cultura de responsabilidade + fiscalização contínua.


Caso contrário:

  • Profissionais sérios serão penalizados injustamente.

  • Profissionais imprudentes serão premiados pela ausência de verificação.

  • A Prefeitura perderá capacidade de gestão territorial.

  • A sociedade terá menos confiança no processo de licenciamento.


O resultado: um ambiente onde o bom técnico é punido por ser rigoroso, e o mau técnico prospera pela ausência de controle — exatamente o oposto do que se deseja.


Além disso, gostaria de ver — e entender — qual é o posicionamento do CAU/SP e do CREA/SP diante dessas mudanças.


Não identifiquei até o momento nenhuma nota pública, alerta ou participação efetiva nos debates. Posso estar enganado, mas, ao menos nos canais que acompanho, não houve manifestação.


E isso importa: a lei prevê que a Prefeitura comunicará diretamente os conselhos sobre irregularidades constatadas. Ou seja, eles precisam estar preparados para essa nova dinâmica.


Já faz tempo que eu queria escrever sobre Responsabilidade Técnica. Quem já fez algum curso comigo sabe o quanto insisto nesse assunto — e, admito, chego até a ser chato de tanto alertar que os órgãos públicos caminham cada vez mais para modelos autodeclaratórios, aumentando de forma significativa o peso sobre quem assina e atesta uma condição.


Este texto é só o começo. Será o primeiro de uma série em que pretendo aprofundar o tema com mais calma, trazendo reflexões práticas e pontos de atenção para quem vive o dia a dia do licenciamento.


E nada mais oportuno do que começar justamente agora, diante da aprovação desse novo modelo de licenciamento declaratório em São Paulo, que reforça — talvez como nunca — a urgência de entendermos o impacto real dessa mudança no nosso trabalho diário.




 
 
 

1 comentário

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
wix_edited.jpg
9. Branco sobre transparência.png

Especialista em Legalização Imobiliária e Licenciamento.

carlos capuchinho ARQUITETURA LEGAL®

CNPJ: 54.323.812/0001-05

Avenida Paulista nº 1636 - Sala 1105 - Subconjunto 104 

Edifício Paulista Corporate - Bela Vista

São Paulo - SP

CEP: 01310-200

  • LinkedIn
  • Instagram
  • Whatsapp

CONTATO

FALE CONOSCO

Obrigado

  Todos os Direitos Reservados - Copyright © 2024 

bottom of page